domingo, 9 de agosto de 2015

SÉRIE ENSAIOS: Vaidade Feminina e o Princípio da Autonomia: Uma reflexão bioética

Por Lyégie Lys Rodrigues Barancelli
Mestranda do Programa de Pós Graduação em Bioética da PUCPR


A revista MdeMulher da editora Abril realizou uma investigação sobre o famoso “Shampoo Bomba”, cujo mesmo é uma receita caseira que tem sido disseminada pela internet a algum tempo. Este Shampoo é uma mistura de Monovin-A, que é uma vitamina de uso veterinário e Benpantol, os quais são associados com o shampoo de uso diário, sem sal, a fim de fazer o cabelo crescer três vezes mais rápido.
 
Esta receita caseira tem tido muitas adeptas, existe um perfil no Facebook.com mais de 4300 curtidas que abordam sobre o assunto.
 Há também vídeos no Youtube que ensinam como fazer a receita, como usar, e quais os benefícios do uso com fotos ilustrativas dos resultados, que totalizam mais de 1.5 milhões de visualizações . Com isto, fica claro a cultura social da vaidade feminina, tentativa das mulheres em melhorarem a aparência em prol de um objetivo. Mais qual seria mesmo esse objetivo? No presente ensaio pretendo abordar temáticas éticas implícitas na vaidade feminina e os possíveis impactos causados.
Nos séculos passados o culto a beleza feminina era pecado, de acordo com a igreja católica. A mulher que modificava sua aparência buscando melhora-la era associada como amiga da serpente e do Diabo, pois trazia a perdição da saúde e da alma dos homens, assim como estava alterando a obra do criador que gerou seus filhos a sua imagem e semelhança.
Van Potter
Devido aos avanços da ciência, principalmente a biotecnologia, Van Potter  sentiu a necessidade de criar um ramo de conhecimento que se preocupasse com as possíveis consequências dos avanços da ciência sobre a vida de todos os seres vivos, a Bioética. Neste sentido os avanços biotecnológicos tem contribuído e muito para o desenvolvimento de produtos cosméticos, pois a mulher sempre esteve em busca da beleza, porém ela tem pago um preço alto por isso, tanto monetário, mais principalmente no quesito saúde, onde tratamentos estéticos são realizados e estão cada vez mais caros, o que faz com que muitas mulheres procurem lugares mais acessíveis para ficarem belas ou utilizam-se de receitas caseiras.
Nem sempre o resultado ocorre como o desejado, tanto por salões de beleza que não possuem profissionais nem produtos de qualidade, que é na maioria das vezes justamente esse o fator que barateia o tratamento e atraem o público. Quem se utiliza das receitas caseiras, na grande maioria das vezes, não conhece as dosagens nem os componentes químicos que está utilizando, muitos menos sabe onde descartar as embalagens do produto que por ventura não fez o efeito desejado. Por acaso quantas de nós mulheres questionamos nossas cabeleireiras sobre os produtos que elas no aplicam? Não perguntamos a elas como é a composição, nem como será feito o descarte do restante do produto, isso se for feito, muito menos se esse produto já foi testado antes de ser utilizado. Neste contexto esbarramos no uso de animais para se testar produtos cosméticos, mais já é um outro tema, porém que pode ser levado em conta na hora de escolher o salão de beleza e os produtos utilizados pela profissional. Evidentemente que o uso de cosméticos exige responsabilidade por quem usa e quem aplica, cujas consequências das ações além de afetarem os seres humanos, influenciam diretamente a natureza e os animais, sendo assim não podemos mais pensar que somos os únicos seres da natureza, devemos lembrar que a influência que temos sobre ela, pode vir a interferir em todo o ecossistema. O consumo sustentável pode ser uma saída para o uso de cosméticos, pois diante de uma sociedade de consumo nossas escolhas podem fazer a diferença.
Outra situação conhecida foi o caso das escovas progressivas que prometiam alisar até os
Escova progressiva
cabelos mais rebeldes, a qual foi utilizada em larga escala por mulheres, até que se descobriu que essa era derivada de formal, o qual devido a uso recorrente pode trazer danos à saúde e foi proibido de ser utilizado em escovas progressivas pela
Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Analisando este contexto é possível de se questionar quais as consequências que a mulher está disposta a encarar em virtude de um padrão elegido por ela mesma, onde a vaidade tomou o lugar da qualidade de vida e da saúde, visto que ela tem se exposto desde a receitas caseiras sem rigor de fabricação, até a químicas que prejudicam a sua saúde. Qual será a dificuldade que a mulher tem de se aceitar como ela é, com as características que já nasceram com ela ou que foram se modificando ao longo do tempo?
A vivência atual feminina ao culto de padrões de beleza fere veemente o conceito da Bioética Principialista de Autonomia. O Princípio da Autonomia, ou do respeito à pessoa, como é comumente chamado, engloba características como privacidade, veracidade e autonomia, assumindo perspectivas que englobam o sujeito em sua individualidade e em um grupo social. Uma dentre várias bases deste princípio é a filosofia do pensador John Stuart Mill, defendendo que o indivíduo é soberano sobre si mesmo, sobre seu corpo e sua mente.
John Stuart Mill

Existem várias versões para determinar o conceito de autonomia, Beauchamp e Childress salientam que não só a autonomia possui diferentes significados, mas também a autodeterminação, o direito de liberdade, privacidade, escolha individual, livre vontade, comportamento gerado pelo próprio indivíduo e ser pessoa. Contudo, apesar das divergências em definir um significado para autonomia, existe a concordância entre os autores que para se obtê-la se faz necessário duas condições essenciais: a liberdade, que deve ser independente do controle de influência; e a ação, caracterizada como a capacidade de agir de forma intencional.

A mulher que busca de forma excêntrica a beleza, cultuando padrões de vaidade, não está agindo de forma autônoma ou está com sua autonomia diminuída, visto que não está agindo livremente, ela está sobre a sombra de padrões de beleza impostos pela mídia, vendidos pelas marcas de cosméticos em seus constantes bombardeios em novelas, revistas, sites de internet e anúncios em geral.  Por estar com sua autonomia diminuída ou cessada, em dado momento é controlada pela mídia, sendo incapaz de agir de forma reflexiva sobre as informações que tem absorvido, o caso do shampoo bomba como tantos outros, é um belíssimo exemplo, onde milhares de mulheres estão realizando e consumindo receitas caseiras, que podem gerar danos a sua saúde.
Eu como psicóloga e mestranda em bioética acredito que o desejo de estar bonita é uma prática saudável, contudo deve ser feita de forma cautelosa e equilibrada, conheça bem os produtos que você está usando, certifique-se da formação dos profissionais, procure verificar de que forma foi elaborada a química que você está utilizando, o laboratório é confiável ou não, faz uso de testagem em animais, e ao se utilizar de receitas caseiras procure se informar ao máximo sobre os componentes que está usando e quais os efeitos colaterais que podem ser gerados e se o risco vale a pena. A busca constante das mulheres por beleza é uma tentativa de buscar perfeição, realização e felicidade, onde ocorre uma certa inversão das propriedade humanas, visto que os valores éticos e morais não são almejados, tampouco podem ser obtidos através dessa ação.
É ético o uso de animais em pesquisa cosmética?
Apesar das químicas estarem cada vez mais presentes na vida das mulheres, e os cosméticos fazerem parte da bolsa de quase todas nós, cabe aqui uma reflexão de como tenho feito o uso de cosméticos, moderadamente, acentuadamente, cotidianamente, esporadicamente, são produtos caros, baratos, uso para impressionar alguém ou para me sentir mais bonita e confiante. Cosméticos não apagam a essência humana, não adianta se valer de maquiagens de marca para realçar os olhos e a cor da pele quando o que precisa ser mudado é interno.
Ao invés de passar horas no salão de beleza, passe mais tempo com seu filho, faça uma visita aos seus pais, a aquele amigo que você não vê a muito, o efeito que você tanto deseja ostentar pode surgir de um sorriso verdadeiro.
O presente ensaio foi elaborado para disciplina de Bioética Ambiental baseando-se nas obras:


http://www.ufrgs.br/alcar/noticias-dosnucleos/artigos/A%20 CONSTRUCaO %20DO% 20IDEAL%20DE%20BELEZA%20FEMININA%20EM%20COMERCIAIS %20DE%20TELEVISaO.pdf




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