Por Renata Bicudo Molinari e Amanda Amorim
Zanatta
Mestranda e
aluna especial do
Programa de Pós Graduação em Bioética da PUCPR
Ensaio desenvolvido para o blog Etologia no dia-a-dia
A relação entre o ser
humano e os cães
se dá há pelo menos 10 mil anos, apesar da origem da domesticação ainda ser
controvérsia, indícios arqueológicos indicam que este fato começou no início da
prática da agricultura, cujos cães forneciam segurança, serviam de alimento ou
vestimenta e o homem lhes davam alimentos e algum tipo de proteção.
A relação
entre o homem e o cão é de mutualismo e inúmeros estudos
tem mostrado a efetividade dos mesmos na melhoria da qualidade de vida das pessoas.
Porém, abandono de animais domesticados se
constitui de um sério problema de saúde pública virtualmente para todas as
cidades do mundo (Detroit, Paris, Berlin, Nova Dheli, Tokyo, São Paulo).
Essa problemática
se dá não só devido ao número elevado de procriações, que aumentam
significativamente o risco de transmissão de zoonoses e de possíveis acidentes provocados ou envolvendo esses
animais (como mordedura de animais e atropelamentos dos mesmos), mas também
pelo crescente aumento de pessoas que acabam desenvolvendo um transtorno mental
que as
leva a acumular animais. Um exemplo de pessoas que possuem esta condição,
comumente conhecido como “acumulação de animais”, foi o caso da “Casa dos Esqueletos”,
divulgado na mídia em novembro de 2013.
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A questão dos acumuladores pode ser
refletida pela associação de compulsão de acúmulo com o princípio da
alteridade,
uma vez que o indivíduo não consegue se sensibilizar e a se identificar com a
situação daquele animal ou com a problemática que isso gera à sociedade,
passando a acreditar que está auxiliando não só àqueles seres tirados das ruas,
mas também a sociedade como um todo, sem perceber que está, na realidade,
criando um novo problema e gerando dor e angústia aos animais e causando um
incômodo ainda maior para os moradores próximos devido ao forte cheiro no
ambiente, ao barulho e ao aumento do risco de transmissão de zoonoses devido ao
grande número de animais vivendo em situações precárias de higiene e saúde.
Logo, a responsabilidade acerca da
problemática dos animais errantes e dos acumuladores, deveria ser de toda a sociedade
e de seus governantes.
No mundo existem cerca de quinhentos milhões de cachorros, porém cerca de 75% deles estão nas
ruas expostos a todo tipo de doenças, maus-tratos,
fome, sede e às intempéries. Estes dados nos leva a pensar sobre a incongruência da
relação entre humanos e animais não-humanos. Se por um lado os amamos, os
mimamos e os exibimos orgulhosos, por outro nos desfazemos deles no primeiro
problema de saúde, cocô no tapete ou conforme a idade começa a afetá-los. Vivemos
em uma sociedade cuja cultura ainda é antropocêntrica e utilitarista e as
pessoas acabam, muitas vezes, adquirindo animais por impulso, status ou como
objeto para presente. Porém, quando este animal não corresponde às expectativas
desejadas pelos “tutores”, eles os descartam. Além de políticas públicas de
castração e vacinação, há ainda a necessidade da conscientização da população,
através de educação ambiental, sobre tutela consciente/responsável e sobre a
importância da castração e de não se deixar o animal dar a famosa “voltinha”
sozinho.
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O número crescente de abandonos e maus-tratos superam e
muito a capacidade de ONGs, protetores independentes e abrigos de animais que
muitas vezes acabam superlotados, com escassez de alimento e demais recursos
para manter de forma adequada os animais resgatados e contam com pouquíssima
ajuda da sociedade e do governo. As pessoas costumam se distanciar do problema,
atribuindo a responsabilidade sobre os animais errantes aos protetores,
exigindo que estes tomem atitudes para retirar os animais do local, dar-lhes
tratamento e afastá-los de suas vistas. Já que, as incomoda ver seu sofrimento,
mas não querem ter que se envolver realmente com aquilo.
No
caso da “Casa dos esqueletos”, mais de 90 cães foram retirados de uma casa no
bairro de Uberaba sob condições precárias de segurança, saúde e alimentação. A
senhora de 52 anos, locatária da casa onde os animais eram mantidos, alega que
começou a recolher cães das ruas quando seu filho faleceu e, por se tratar de
um transtorno mental
onde, na maioria dos casos, o indivíduo não têm condições de tomar decisões racionais
e de tomar conta de si próprios, sendo considerados indivíduos vulneráveis e requerendo atenção
e cuidados, que foram oferecidos pela Secretaria da Saúde de Curitiba que está proporcionando
a ela assistência psicológica. Por sua vez, os animais errantes também se
enquadram no princípio da
vulnerabilidade,
pois ficam suscetíveis às doenças, maus-tratos, fome, sede e expostos às
variações climáticas.
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Segundo a descrição da
protetora Lídia Peixer (AMVAP),
os animais do caso aqui relatado estavam desnutridos, “em pele e osso” segundo
Lídia, o que deu o nome ao lugar – Casa dos Esqueletos – alguns estavam à beira
da morte, muitos se alimentavam de excrementos.
Em esforço
conjunto da Associação das
Mulheres Vendedoras Autônomas do Paraná (AMVAP), do grupo
“Salva Bicho” e da
ONG “SOS Animau” de
Curitiba que, mesmo sem a autorização judicial para retirada dos animais,
invadiram a casa onde eram mantidos os cães resgatando-os, exemplo do princípio da
alteridade existente por parte dos
protetores envolvidos com a causa em relação aos animais.
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A Rede de proteção animal, através de uma
pesquisa sobre acumuladores de animais patrocinada pela Fundação Araucária, já identificou cerca de 130 casos de
acumulação até setembro de 2013, o que indica a necessidade de mais programas
de conscientização da população sobre tutela responsável e programas eficazes
de castração e vacinação dos animais errantes.
O presente ensaio foi
realizado para a disciplina de Temas de Bioética e Bem-estar animal, tendo como
base as seguintes obras:
ASSOCIAÇÃO DAS MULHERES VENDEDORAS AUTÔNOMAS DO PARANÁ
(AMVAP). Disponível em: <
https://www.facebook.com/www.associacaoamvap.com.br> Acesso em 25 nov 2014.
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em: <http://books.scielo.org/id/sfwtj/pdf/andrade-9788575413869-26.pdf>
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Acesso em 26 nov 2014.