A imperiosa verdade que faz de nós uma nação em Crise
Por Silvia
Spinelli
Mestranda em Bioética
Doações de alimentos feitas pelos policiais. |
Uma
notícia veiculada nos principais portais de notícias brasileiros no dia 15 de maio último. relata que um pai
que roubou carne para dar comida ao filho em Luziânia, na periferia de
Brasília. O caso trouxe novamente a discussão ética sobre a realidade
do vulnerável ”criminoso” no Brasil. Ressalva-se que o personagem
dessa história tratava-se de um eletricista
desempregado, que sustenta um filho com o benefício que recebe por mês do
programa Bolsa Família. Como o dinheiro não havia sido depositado na conta,
Mário tentou roubar 2kg de carne de um mercado, mas foi pego pelo dono do
estabelecimento, que chamou a polícia. O caso comoveu o país, inclusive os
policiais que pagaram a fiança e compraram alimentos para Mario e eu filho
passarem um mês mais tranquilo. Um policial deu a Mário 30 reais para voltar ao
mercado e pagar pela carne furtada. Ao longo da semana, devido à proporção que
o caso tomou na mídia, Mário arranjou emprego em uma firma em Luziânia. Agora a
promessa de uma vida melhor para si e seu filho se aproximou de se concretizar.
Casos como esse, com múltiplas vulnerabilidades, são temas comuns nas reflexões
do economista e professor Amartya Sem nos últimos anos. Dedicado ao
estudo de temas como pobreza, subdesenvolvimento e história econômica de países
atrasados, o Prêmio Nobel de Economia de 1998 considera que, na raiz desses e
de outros fenômenos, há uma carência comum: a de liberdade. Na
vida contemporânea, ficou comum referirmos que vivemos tempos difíceis.
Parafraseando Hannah Arendt, vivemos “tempos sombrios”. Crise econômica e do sistema financeiro, crise de
confiança nas instituições, crise de valores, crise energética, crise
de sustentabilidade, mudanças climáticas e de catástrofe ambiental, crise
de identidade, guerras e terrorismo. Intolerâncias religiosas.
Impessoalidade nas relações. Dicotomia entre os velhos problemas
que assolam nações pobres e novos desafios tecnológicos que se atropelam na
desenfreada corrida pela modernidade.
O caso envolve diversas
questões éticas, sendo o problema fundamentado principalmente pelo desrespeito
aos princípios da não maleficência, justiça e princípio da liberdade. A
privação da liberdade de Mario quando ao roubar carne
foi encarcerado. Mas, muito antes disso, a privação da liberdade
de escolha. Escolha do que comer. Mário já não era livre muito antes
de suas três passagens policiais por roubo de carne. Sim, foram três furtos e
essa recorrência no crime reforça sua fragilidade. A atitude de Mário,
criminalizável pelo código penal vigente, não fez dele um bandido. A opinião pública, reforçada pelas
atitudes posteriores dos policiais filantropos, conseguiu criar um perfil
de pai solitário, preocupado com o bem estar de seu filho, desesperado pela
falta de recursos e pela fome. A fome oculta em tantos lares brasileiros,
maquiada pela sensação de bem estar social vigente. Onde estão os valores
éticos (justiça, não maleficência, autonomia) quando a fome, imperiosa, devasta
toda a dignidade de um lar? Nas redes sociais, a despeito da atitude de Mário,
muitos cidadãos execraram a atitude dos policiais que pela atenção especial
dada a um preso por roubo, acabam por estimular atitudes justificada por
questões sociais típicas no Brasil.
Nesse momento do método, depois de fundamentar o problema com os
princípios, vc deve deixar claro quem são os agentes e os pacientes morais.
Lembre-se os primeiros tem poder de decisão, os outros estão vulneráveis a
essas decisões, pois são tutelados direta ou ineditamente pelo outro...
Primeiro pontue depois fale sobre cada um deles em cada paragrafo apontando as
responsabilidades, argumentos de defesa, e deveres
O discurso de Sen sobre a fome
escondida atrás das telas LCD e das redes sociais vem muito ao encontro de
outro grande nome das ciências éticas: Hans Jonas, que em seu “Princípio da
Responsabilidade” transfere a todos nós, contemporâneos de Mário o compromisso pela vidadigna nesse planeta, inclusive na vida que os netos de Mário terão, graças as nossas atitudes
de hoje.
Responsabilidade
é o cuidado reconhecido como deve pelo outro ser e que devido à ameaça da
vulnerabilidade se converte em preocupação. Considerar a pessoa não somente como um corpo,
em sua dimensão biológica é um desafio. Felizmente estamos começando a ter
sensibilidade para o cuidado com a vida humana, apontando-nos que a essência da
vida é o cuidado. A sociedade (e até a mídia) cuidou de
Mário e mesmo pela recorrência no furto, a barriga vazia e a empatia do povo
brasileiro zelaram pelo que ainda restava de sua dignidade. É
zelando, promovendo o cuidado dessa unidade vulnerável pela dor e sofrimento
que estaremos sendo instrumentos de vida digna. Quem cuida e se deixa tocar
pelo sofrimento do outro se torna radar de alta sensibilidade, se humaniza no processo
e para além do conhecimento científico tem a preciosa chance e o privilégio de
crescer em sabedoria.
A atual situação do capitalismo,
como agente perverso desse cenário, vem deixando milhões de seres humanos em
estado de miséria, violentados em sua dignidade, em sua humanidade, alijados
dos processos de construção da cidadania e de respeito aos direitos humanosfundamentais . Esse panorama fere os princípios da Declaração
Universal sobre Bioética e Direitos Humanos ,
assinada por 191 países. Neste documento, as nações se comprometeram a adotar
medidas governamentais para que os artigos idealizados sejam cumpridos (UNESCO,
2005).
Eu como Nutricionista e futura
Bioeticista acredito que a sociedade sustenta o sistema perverso capitalista e
sente-se confortável em sua inércia. As telas dos gadgets em nossas mãos trazem
as notícias em tempo real entretanto distanciam-nos de nossas responsabilidades
enquanto sociedade. Inclusive enquanto espécie.
Hoje, além das crises que Hannah nos
alertou em 1969, o mundo passa por uma profunda crise de
cuidados. A regra geral é “não me envolver para não sofrer”.
E esse individualismo, ferindo os princípios éticos do cuidado e da cooperação,
reforçado pelas frias redes sociais, agentes morais da iniquidade, e pela
máscara da fibra ótica, via satélite, ainda vai imperar por um bom tempo.
Este Ensaio foi elaborado para
disciplina de Temas de Bioética e Biologia do curso de Mestrado em Bioética
tendo como base as seguintes obras:
ARENDT, H. Homens em tempos sombrios. Trad.
Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras. 1987.
BRASIL. Ministério da Saúde.
Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Humanização. Atenção
Básica. Brasília: Ministério da Saúde, 2010 (Série B. Textos Básicos de Saúde –
Cadernos Humaniza SUS; v. 3);
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA. Declaração
Universal sobre Bioética e Direitos Humanos. Paris: Unesco, 2005.
Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0014/00146180por.pdf/>.
Acesso em: 30 de maio 2015;
Homem
preso por roubar carne recebe oferta de Emprego. Portal R7. Disponível em: http://noticias.r7.com/distrito-federal/fotos/homem-preso-por-roubar-carne-para-o-filho-recebe-ofertas-de-emprego-veja-fotos-da-casa-do-eletricista-15052015#!/foto/1.
Acesso em 07 de maio de 2015.
JONAS,
H. Princípio da Responsabilidade. Disponível em :
http://www.saocamilo-sp.br/novo/publicacoes/publicacaoEditorial.php?ID=67&rev=s.
Acesso em 30 de maio de 2015.
SILVA, T.T. CORREA, V.H.C. A
crise mundial dos alimentos e a vulnerabilidade dos países periféricos. Disponível
em: http://www.unicamp.br/nepa/CriseAlimentosVersaofinal_17112009.pdf. Acesso em 29
de maio de 2015.
A miséria precisa ter a
causa atacada, diz Amartya Sen, prêmio Nobel de Economia de 1998. Disponível
em:
http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/economia/noticia/2012/04/a-miseria-precisa-ter-a-causa-atacada-diz-amartya-sen-premio-nobel-de-economia-de-1998-3735767.html. Acesso em 30
de maio de 2015.
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