Eucaliptos transgênicos e trabalhadores rurais sem terra: a luta pela
preservação da natureza ou de ideais políticos e ideológicos?
Por Luiz Fernando Bianchini
Fonte Imagem |
Diariamente
nos deparamos com questões bioéticas. Algumas passam despercebidas, outras,
causam muito impacto midiático. Às vezes, por características políticas ou de
poder, o debate bioético não é realizado adequadamente seja para não
gerar polarização política, ou simplesmente, porque a analise poderá beneficiar
um dos lados do conflito. Assim podemos introduzir o conflito envolvendo o
Movimento Sem Terras e a gigante indústria de papel e celulose Suzano. Em cinco
de março de 2015, mulheres do Movimento dos Sem Terra invadiram um centro
tecnológico da indústria Suzano onde eram desenvolvidos estudos sobre eucalipto
transgênico.
Fonte Imagem |
Durante a invasão1, cerca de mil mulheres que participavam
da Jornada Nacional das Mulheres Camponesas destruíram mudas de eucaliptos
geneticamente modificados resultantes de pesquisa em andamento desde 2001.
Como a bioética
pode auxiliar em um conflito de natureza social, com atores politicamente
posicionados e com disputa de poder evidente? Inicialmente, é preciso
sistematizar o fato, contextualizando as demandas de ambos os lados em disputa.
Apenas de posse de analise histórica e biológica podemos analisar os fatos. A
análise será embasada em Kant, Habermas e Jonas, conforme Camargo
e Pinheiro (2010)2.
Para
entendermos a ação do Movimento dos Sem Terras, faremos o seguinte
questionamento: o que é preciso saber a respeito do ser humano que elucide as
razões da tomada de decisão pela destruição de um centro de pesquisas?
O MST3 é marcadamente constituído
por pessoas de origem humilde, pequenos agricultores que perderam suas terras
em virtude de inundações de barragens de hidroelétricas, expulsos de suas
terras por grileiros, fugitivos da seca e da fome, endividados cujas
propriedades foram utilizadas como garantia a banqueiros. Temos ainda sem tetos
que aderiram à causa, fugindo dos centros urbanos em busca de alguma
oportunidade ou propriedade. Atualmente, já se pode observar uma segunda
geração de pessoas nascidas e criadas nos acampamentos do MST. Evidente que
pela origem humilde, quando avaliada a escolaridade, será possível observar a
presença de analfabetos e de adultos com baixo grau de estudo. Por outro lado,
por esforço do próprio MST, existem escolas para as crianças e adultos nos
acampamentos, o que possibilita a alfabetização e o desenvolvimento de outras
habilidades intelectuais. O que mais chama atenção, no entanto, é o alto grau de
escolaridade de seus líderes4, fato
que auxilia na compreensão da profundidade do debate político que cerca o tema.
Avaliando a renda, podemos supor que além do auxílio governamental e não
governamental recebido pelo MST, seus membros não possuem outras receitas, haja
visto que são trabalhadores rurais desprovidos de propriedades. Como motivação
política temos que o MST é um movimento de esquerda que luta contra o
capitalismo, pela distribuição igualitária das riquezas (fim dos latifúndios) e
por igualdade de oportunidades entre os cidadãos.
Fonte Imagem |
As mulheres envolvidas na
invasão participavam da Jornada
Nacional das Mulheres Camponesas5
que teve como um dos objetivos denunciar o modelo do agronegócio no campo
brasileiro e propor a agroecologia como alternativa ao capital estrangeiro na
agricultura. Por sua vez, a fundamentação ambiental está relacionada a saberes
do monocultivo do eucalipto disseminados pelo próprio movimento, como cartilhas
e seminários da Comissão
Pastoral da Terra6, onde dados
sobre o empobrecimento e erosão do solo, o impacto sobre a umidade do solo, os
aquíferos e lençóis freáticos, além da baixa biodiversidade observadas em
monoculturas, são divulgados. Além de toda avaliação histórica, os anseios
futuros também são importantes, pois eles serão resultados das lutas do
presente. Buscam ser assentados, em terras onde poderão praticar a agricultura
familiar, vendo então encerrado o ciclo econômico dos latifúndios e da
monocultura. Para tanto, contarão com subsídios do Estado e com a organização
de cooperativas.
O outro lado é
representado pela empresa Suzano Papel e Celulose e, para elucidar o papel da
Suzano na questão, precisamos entender por que empresas e pesquisadores
desenvolvem e produzem produtos odiados por determinado segmento da população?
Quais as motivações para se produzir Eucalipto transgênico?
A Suzano Papel e
Celulose7 é uma empresa
brasileira, segunda maior produtora global de celulose de eucalipto e uma das
10 maiores de celulose do mercado. Possui 6 unidades industriais no Brasil,
além de empresas no exterior. Possui cerca de 17.000 funcionários e é uma
empresa de capital aberto. Seu valor
de mercado8 foi estimado em 2014 em R$ 11,586 bilhões, com
faturamento de R$7,265 bilhões e prejuízo de R$ 262 milhões no mesmo ano. As
motivações econômicas que levam a Suzano a investir em pesquisas de Eucalipto
transgênico, em superficial análise levam à necessidade de aumento da produção
com redução de custos de logística (o eucalipto transgênico poderá aumentar em
20% a produtividade por área plantada) além da necessidade de reverter o quadro
financeiro negativo da empresa, o que gera o risco de demissões. Enquanto
motivação política, uma indústria de capital aberto que atua na área ambiental,
está com sua atividade regulada pelo Estado brasileiro, e necessita de
autorização para o cultivo do Eucalipto transgênico pela Comissão Técnica
Nacional de Biossegurança (CTNBio). As motivações ambientais que levam ao desenvolvimento
de plantas geneticamente modificadas estão pautadas no consenso
científico9 obtido em anos de
pesquisa sobre o cultivo de eucalipto e que podem ser resumidas em 1) o plantio
em áreas já desmatadas ou substituição de pastos aumenta a biodiversidade; 2)
áreas com pluviosidade superior a 400 mm/ano não sofrem de ressecamento do solo
e quando o plantio ocorre em áreas de altas altitudes ou distantes das bacias,
não acarretam riscos para as nascentes; 3) técnicas de manejo permitem aumentar
a quantidade de húmus no solo; 4) plantação em mosaico, intercalando os
eucaliptos com florestas nativas criam corredores biológicos; e 5) integração
da população local através de culturas de milho e girassol, no primeiro estágio
de desenvolvimento, ou de gado leiteiro, nas florestas mais antigas. Além de todo
embasamento científico, a empresa ainda investe em ações de responsabilidade social10, que buscam aumentar a consciência
ambiental da população.
Uma vez
apresentados os atores deste complicado ato do teatro da vida, suas ações devem
ser analisadas sobre determinadas ópticas, buscando o consenso entre as partes.
Buscando os
imperativos categóricos de Kant2, podemos ensaiar a seguinte
análise: 1) “Age como se a máxima de tua ação devesse tornar-se, através da tua
vontade, uma lei universal”. Assim sendo, agir de forma violenta destruindo e
depredando propriedade pública ou privada, não pode e nem deve tornar-se uma
lei universal, assim como modificar a natureza para fins privados e maior
obtenção de lucro também não deve ser uma lei universal. 2) "Age de
tal forma que uses a humanidade, tanto na tua pessoa, como na pessoa de
qualquer outro, sempre e ao mesmo tempo como fim e nunca simplesmente como
meio". Ao utilizar as mulheres do MST como exército para a execução de
ações violentas, tornam o ser humano uma arma, um meio de se demonstrar força,
um meio de obter tempo para protelar os ganhos do capitalismo. Ao expor seus
membros em ações que possam resultar em suas mortes, como já observados na
história, vemos a vida humana se tornando marionete de um jogo político, onde o
mais fraco sempre será subjugado. Ao usar o conhecimento científico como meio
de obter mais lucro, a indústria transforma o saber em ferramenta utilitarista a
serviço de suas necessidades. Por outro lado, podemos analisar que cada membro
do MST luta por suas conquistas, luta por sua terra, assim, sua vida é fim em
si mesma. A desigualdade reduzirá apenas se houver a manifestação de
descontentamento do oprimido. A mesma lógica podemos aplicar para a empresa, se
a utilização do saber científico busca a redução de área cultivada por aumento
da eficiência na produção, o fim gerará menor impacto ambiental, e menores
custos logísticos, o que atenderá tanto às demandas ecológicas, quanto às
necessidades econômicas da empresa. E 3) "Age de tal maneira que tua
vontade possa encarar a si mesma, ao mesmo tempo, como um legislador universal
através de suas máximas." Poderemos facilitar a análise pensando em não
fazer para os outros o que não desejamos que seja feito para nós mesmos. Assim,
podemos entender, como legislador universal, que se desejo obter algo, como
aumento da produtividade na produção de celulose, não posso fazê-lo sob o risco
de trazer a seca para regiões antes fartas em água, trazer pobreza onde antes
havia, ao menos, possibilidade de sustento. Assim como podemos imaginar que a
grande queixa do MST em desocupações de áreas por eles ocupadas, é a violência
e truculência com a qual são habitualmente tratados. Mas quando eles são
violentos, a atitude se justifica, por se tratar do grito do oprimido. Tal
argumento não pode ser aceito à luz do imperativo kantiano.
Os imperativos
Kantianos apenas mostram que tanto MST quanto Suzano estão em situação de falta
de consenso, pois não possuem objetivos comuns, embora, à luz de Kant, ambos
tenham parcialmente razão em suas ações. Para aprofundar o debate e buscar o
mínimo de consenso, buscaremos em Habermas uma nova análise, baseada nos itens
acima elencados. Segundo Habermas2, o agir moral se expressa da
seguinte forma: “aproximamo-nos, com efeito, do modo de consideração moral
assim que examinamos se nossas máximas são conciliáveis com as máximas dos
outros.(...) Num caso se examina se uma máxima é boa para mim ou adequada à
situação; no outro caso, se posso querer que uma máxima seja observada como lei
universal para todos.” Objetivamente, a máxima em discussão é o eucalipto em
questão, não necessariamente o transgênico. Para o MST, tal monocultura gera
danos ambientais graves, no entanto, o consenso científico apresenta claramente
que, se cultivados de forma adequada e nas regiões apropriadas, os impactos são
positivos, e não negativos. Assim, a máxima da indústria seria incorporada pelo
MST se os sem terra admitissem os avanços científicos e tecnológicos como
conquistas sociais a serviço da humanidade. Exemplificando. Está comprovando
que áreas degradadas (em regiões de alta altitude e bom índice pluviométrico)
são adequadas para o cultivo do eucalipto, e mesmo para reestabelecer a biodiversidade
local. Os sem terra buscam áreas improdutivas para seus assentamentos. Uma área
degradada, improdutiva, pode servir de assentamento. Mas se nenhum cultivo se
adaptar às condições locais, o eucalipto poderá ser uma alternativa aos
assentados. Portanto, é possível associar distribuição de terras com plantio de
eucalipto. Com adequado manejo, poderiam produzir milho, girassol e gado
leiteiro. No entanto, seriam os sem terra capazes de trabalhar para a
iniciativa privada, mesmo que o capital obtido seja para distribuição entre
seus pares? A máxima apresentada é boa para a indústria, mas não é boa para os
sem terra a partir do momento em que não serão vistos como iguais em direitos,
apenas como fornecedores. Se não encontrarmos um ponto de convergência entre as
partes e nele focarmos, a questão nunca será sanada. Mas uma coisa é certa, a
máxima de ambos os lados é pela não agressão aos seus. Se sem terras não
desejam ser tratados com violência, os mesmos não devem desferir tratamento
violento a quem quer que seja, mesmo em seu opressor econômico/ideológico.
Já Hans Jonas2
nos traz a preocupação futura das ações do homem e seus impactos para o meio
ambiente. Em sua reformulação do imperativo moral de Kant, Jonas apresenta que
deve-se “agir de tal maneira que os efeitos de tua ação não sejam, lesivos para
a futura possibilidade de vida humana”. Assim posto, traz aos governantes a
necessidade de regulação das ações humanas, já que individualmente, o homem por
ser um autômato, destruirá o meio que o circunda, se dele puder prover o sustento
de sua prole. Jonas traz o princípio da incerteza. Na questão exposta, temos um
consenso científico e anos de experiência acumulada com o cultivo de eucalipto.
Os governos deverão, via seus órgãos reguladores, definir as áreas adequadas
para o plantio do Eucalipto transgênico, minimizando ao máximo seus impactos
com o meio ambiente, e permitindo assim, o desenvolvimento sustentável. É
preciso lembrar que o desenvolvimento sustentável está embasado na ideia de que
economia, meio ambiente e sociedade são indissociáveis, e que o equilíbrio
entre as bases poderá garantir a utilização dos recursos naturais, com
distribuição equânime e desenvolvimento econômico.
Conclui-se
então, que a paz é necessária para a existência de um diálogo entre
ambientalistas, MST e empresas de tecnologia. Que a ciência precisa ampliar sua
permeabilidade nos grupos antagônicos, levando para o debate os pontos
nevrálgicos que impedem o estabelecimento do consenso. Que o equilíbrio só será
atingido quando ambas as partes cederem e reconhecerem suas semelhanças, para
alcançar o consenso. Que o temor da inviabilidade do planeta para as gerações
futuras movam as ações presentes.
Fonte imagem |
Desfecho do fato
Apesar dos
protestos, em 09 de abril de 2015, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança
(CTNBio) aprovou o uso comercial do eucalipto geneticamente modificado
desenvolvido pela FuturaGene para utilização pela Suzano Papel e Celulose.
Em comunicado
à imprensa11, a Suzano apresentou que além dos benefícios
econômicos decorrentes do aumento de produtividade decorrente do uso do clone
geneticamente modificado, também ocorrerão ganhos ambientais, considerando a
menor emissão de gás carbônico pela redução do transporte, considerando que a
distância entre florestas e fábricas poderá ser menor, a redução de insumos e
disponibilidade de terras para outros usos, como preservação ou produção de
alimentos.
Em seu site
oficial, o MST não realizou nenhuma publicação sobre a aprovação da CTNBio.
Este Ensaio desenvolvido para a
disciplina de Temas de Bioética em Biologia, do Programa de Pós Graduação em
Bioética da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, tendo como base as
obras:
1.
G1 Itapetininga e Região. MST invade fábrica e
destrói milhares de mudas geneticamente modificadas. 2015 mar 5 [acesso em 2015
abr 15]. Disponível em: http://g1.globo.com/sao-paulo/itapetininga-regiao/noticia/2015/03/mst-invade-fabrica-e-destroi-milhares-de-mudas-geneticamente-modificadas.html
2.
Camargo SX, Pinheiro ACD. Fundamentação ética do
desenvolvimento sustentável em Kant, Habermas e Hans Jonas. Rev. Dir.
Pub.[Internet], 2010 [acesso em 2015 abr]v.5(2), p.177-193. Disponível em: http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/direitopub/article/view/7379
3.
Movimento dos Trabalhadores Sem Terras. 2014
[acesso em 2015 mai 5]. Disponível em http://www.mst.org.br/
4.
JOÃO PEDRO STÉDILE. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre.
Flórida: Wikimedia Foundation, 2015. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Jo%C3%A3o_Pedro_St%C3%A9dile&oldid=42312281>. Acesso em: 12 maio
2015.
5.
Comissão Pastoral da Terra. Ações da Jornada
Nacional de Lutas das Mulheres Camponesas chegam em 21 estados e mobilizam mais
de 20 mil Sem Terra. [acesso em 2015
mai 5]. Disponível em http://www.cptnacional.org.br/index.php/publicacoes/noticias/acoes-dos-movimentos/2485-acoes-da-jornada-nacional-de-lutas-das-mulheres-camponesas-chegam-em-21-estados-e-mobilizam-mais-de-20-mil-sem-terra
6.
Articulação Nacional de Agroecologia. Entidades
denunciam os males do monocultivo de eucalipto em MS [acesso em 2015 mai 5].
Disponível em: http://www.agroecologia.org.br/index.php/noticias/388-entidades-denunciam-os-males-do-monocultivo-de-eucalipto-em-ms
7.
Grupo Suzano. 2011. [acesso em 2015 mai 5]
Disponível em: http://www.suzano.com.br/portal/grupo-suzano.htm
8.
Cotações de Ações da Bolsa de Valores Bovespa
(ADVFN). [acesso em 2015 mai 12]. Disponível em: http://br.advfn.com/bolsa-de-valores/bovespa/suzano-papel-SUZB5/cotacao
9.
Vital MHF. Impacto ambiental de florestas de
eucalipto. Revista do BNDES, 2007[acesso em 2015 mai 5] v. 14(28), p.235-276.
Disponível em: http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/conhecimento/revista/rev2808.pdf
11.
Grupo Suzano. 2015. [acesso em 2015 jun 24].
Disponível em http://www.suzano.com.br/portal/suzano-papel-e-celulose/noticias/suzano-na-imprensa-detalhes-119.htm.
Nenhum comentário:
Postar um comentário