domingo, 20 de setembro de 2015

Série Ensaios em Bioética Ambiental 4

Eucaliptos transgênicos e trabalhadores rurais sem terra: a luta pela preservação da natureza ou de ideais políticos e ideológicos?

Por  Luiz Fernando Bianchini

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Diariamente nos deparamos com questões bioéticas. Algumas passam despercebidas, outras, causam muito impacto midiático. Às vezes, por características políticas ou de poder, o debate bioético não é realizado adequadamente seja para não gerar polarização política, ou simplesmente, porque a analise poderá beneficiar um dos lados do conflito. Assim podemos introduzir o conflito envolvendo o Movimento Sem Terras e a gigante indústria de papel e celulose Suzano. Em cinco de março de 2015, mulheres do Movimento dos Sem Terra invadiram um centro tecnológico da indústria Suzano onde eram desenvolvidos estudos sobre eucalipto transgênico.
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 Durante a invasão1, cerca de mil mulheres que participavam da Jornada Nacional das Mulheres Camponesas destruíram mudas de eucaliptos geneticamente modificados resultantes de pesquisa em andamento desde 2001. 
Como a bioética pode auxiliar em um conflito de natureza social, com atores politicamente posicionados e com disputa de poder evidente? Inicialmente, é preciso sistematizar o fato, contextualizando as demandas de ambos os lados em disputa. Apenas de posse de analise histórica e biológica podemos analisar os fatos. A análise será embasada em Kant, Habermas e Jonas, conforme Camargo e Pinheiro (2010)2.
Para entendermos a ação do Movimento dos Sem Terras, faremos o seguinte questionamento: o que é preciso saber a respeito do ser humano que elucide as razões da tomada de decisão pela destruição de um centro de pesquisas?
O MST3 é marcadamente constituído por pessoas de origem humilde, pequenos agricultores que perderam suas terras em virtude de inundações de barragens de hidroelétricas, expulsos de suas terras por grileiros, fugitivos da seca e da fome, endividados cujas propriedades foram utilizadas como garantia a banqueiros. Temos ainda sem tetos que aderiram à causa, fugindo dos centros urbanos em busca de alguma oportunidade ou propriedade. Atualmente, já se pode observar uma segunda geração de pessoas nascidas e criadas nos acampamentos do MST. Evidente que pela origem humilde, quando avaliada a escolaridade, será possível observar a presença de analfabetos e de adultos com baixo grau de estudo. Por outro lado, por esforço do próprio MST, existem escolas para as crianças e adultos nos acampamentos, o que possibilita a alfabetização e o desenvolvimento de outras habilidades intelectuais. O que mais chama atenção, no entanto, é o alto grau de escolaridade de seus líderes4, fato que auxilia na compreensão da profundidade do debate político que cerca o tema. Avaliando a renda, podemos supor que além do auxílio governamental e não governamental recebido pelo MST, seus membros não possuem outras receitas, haja visto que são trabalhadores rurais desprovidos de propriedades. Como motivação política temos que o MST é um movimento de esquerda que luta contra o capitalismo, pela distribuição igualitária das riquezas (fim dos latifúndios) e por igualdade de oportunidades entre os cidadãos.
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 As mulheres envolvidas na invasão participavam da Jornada Nacional das Mulheres Camponesas5 que teve como um dos objetivos denunciar o modelo do agronegócio no campo brasileiro e propor a agroecologia como alternativa ao capital estrangeiro na agricultura. Por sua vez, a fundamentação ambiental está relacionada a saberes do monocultivo do eucalipto disseminados pelo próprio movimento, como cartilhas e seminários da Comissão Pastoral da Terra6, onde dados sobre o empobrecimento e erosão do solo, o impacto sobre a umidade do solo, os aquíferos e lençóis freáticos, além da baixa biodiversidade observadas em monoculturas, são divulgados. Além de toda avaliação histórica, os anseios futuros também são importantes, pois eles serão resultados das lutas do presente. Buscam ser assentados, em terras onde poderão praticar a agricultura familiar, vendo então encerrado o ciclo econômico dos latifúndios e da monocultura. Para tanto, contarão com subsídios do Estado e com a organização de cooperativas.
O outro lado é representado pela empresa Suzano Papel e Celulose e, para elucidar o papel da Suzano na questão, precisamos entender por que empresas e pesquisadores desenvolvem e produzem produtos odiados por determinado segmento da população? Quais as motivações para se produzir Eucalipto transgênico?
A Suzano Papel e Celulose7 é uma empresa brasileira, segunda maior produtora global de celulose de eucalipto e uma das 10 maiores de celulose do mercado. Possui 6 unidades industriais no Brasil, além de empresas no exterior. Possui cerca de 17.000 funcionários e é uma empresa de capital aberto. Seu valor de mercado8 foi estimado em 2014 em R$ 11,586 bilhões, com faturamento de R$7,265 bilhões e prejuízo de R$ 262 milhões no mesmo ano. As motivações econômicas que levam a Suzano a investir em pesquisas de Eucalipto transgênico, em superficial análise levam à necessidade de aumento da produção com redução de custos de logística (o eucalipto transgênico poderá aumentar em 20% a produtividade por área plantada) além da necessidade de reverter o quadro financeiro negativo da empresa, o que gera o risco de demissões. Enquanto motivação política, uma indústria de capital aberto que atua na área ambiental, está com sua atividade regulada pelo Estado brasileiro, e necessita de autorização para o cultivo do Eucalipto transgênico pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). As motivações ambientais que levam ao desenvolvimento de plantas geneticamente modificadas estão pautadas no consenso científico9 obtido em anos de pesquisa sobre o cultivo de eucalipto e que podem ser resumidas em 1) o plantio em áreas já desmatadas ou substituição de pastos aumenta a biodiversidade; 2) áreas com pluviosidade superior a 400 mm/ano não sofrem de ressecamento do solo e quando o plantio ocorre em áreas de altas altitudes ou distantes das bacias, não acarretam riscos para as nascentes; 3) técnicas de manejo permitem aumentar a quantidade de húmus no solo; 4) plantação em mosaico, intercalando os eucaliptos com florestas nativas criam corredores biológicos; e 5) integração da população local através de culturas de milho e girassol, no primeiro estágio de desenvolvimento, ou de gado leiteiro, nas florestas mais antigas. Além de todo embasamento científico, a empresa ainda investe em ações de responsabilidade social10, que buscam aumentar a consciência ambiental da população.
Uma vez apresentados os atores deste complicado ato do teatro da vida, suas ações devem ser analisadas sobre determinadas ópticas, buscando o consenso entre as partes.
Buscando os imperativos categóricos de Kant2, podemos ensaiar a seguinte análise: 1) “Age como se a máxima de tua ação devesse tornar-se, através da tua vontade, uma lei universal”. Assim sendo, agir de forma violenta destruindo e depredando propriedade pública ou privada, não pode e nem deve tornar-se uma lei universal, assim como modificar a natureza para fins privados e maior obtenção de lucro também não deve ser uma lei universal. 2)  "Age de tal forma que uses a humanidade, tanto na tua pessoa, como na pessoa de qualquer outro, sempre e ao mesmo tempo como fim e nunca simplesmente como meio". Ao utilizar as mulheres do MST como exército para a execução de ações violentas, tornam o ser humano uma arma, um meio de se demonstrar força, um meio de obter tempo para protelar os ganhos do capitalismo. Ao expor seus membros em ações que possam resultar em suas mortes, como já observados na história, vemos a vida humana se tornando marionete de um jogo político, onde o mais fraco sempre será subjugado. Ao usar o conhecimento científico como meio de obter mais lucro, a indústria transforma o saber em ferramenta utilitarista a serviço de suas necessidades. Por outro lado, podemos analisar que cada membro do MST luta por suas conquistas, luta por sua terra, assim, sua vida é fim em si mesma. A desigualdade reduzirá apenas se houver a manifestação de descontentamento do oprimido. A mesma lógica podemos aplicar para a empresa, se a utilização do saber científico busca a redução de área cultivada por aumento da eficiência na produção, o fim gerará menor impacto ambiental, e menores custos logísticos, o que atenderá tanto às demandas ecológicas, quanto às necessidades econômicas da empresa. E 3) "Age de tal maneira que tua vontade possa encarar a si mesma, ao mesmo tempo, como um legislador universal através de suas máximas." Poderemos facilitar a análise pensando em não fazer para os outros o que não desejamos que seja feito para nós mesmos. Assim, podemos entender, como legislador universal, que se desejo obter algo, como aumento da produtividade na produção de celulose, não posso fazê-lo sob o risco de trazer a seca para regiões antes fartas em água, trazer pobreza onde antes havia, ao menos, possibilidade de sustento. Assim como podemos imaginar que a grande queixa do MST em desocupações de áreas por eles ocupadas, é a violência e truculência com a qual são habitualmente tratados. Mas quando eles são violentos, a atitude se justifica, por se tratar do grito do oprimido. Tal argumento não pode ser aceito à luz do imperativo kantiano.
Os imperativos Kantianos apenas mostram que tanto MST quanto Suzano estão em situação de falta de consenso, pois não possuem objetivos comuns, embora, à luz de Kant, ambos tenham parcialmente razão em suas ações. Para aprofundar o debate e buscar o mínimo de consenso, buscaremos em Habermas uma nova análise, baseada nos itens acima elencados. Segundo Habermas2, o agir moral se expressa da seguinte forma: “aproximamo-nos, com efeito, do modo de consideração moral assim que examinamos se nossas máximas são conciliáveis com as máximas dos outros.(...) Num caso se examina se uma máxima é boa para mim ou adequada à situação; no outro caso, se posso querer que uma máxima seja observada como lei universal para todos.” Objetivamente, a máxima em discussão é o eucalipto em questão, não necessariamente o transgênico. Para o MST, tal monocultura gera danos ambientais graves, no entanto, o consenso científico apresenta claramente que, se cultivados de forma adequada e nas regiões apropriadas, os impactos são positivos, e não negativos. Assim, a máxima da indústria seria incorporada pelo MST se os sem terra admitissem os avanços científicos e tecnológicos como conquistas sociais a serviço da humanidade. Exemplificando. Está comprovando que áreas degradadas (em regiões de alta altitude e bom índice pluviométrico) são adequadas para o cultivo do eucalipto, e mesmo para reestabelecer a biodiversidade local. Os sem terra buscam áreas improdutivas para seus assentamentos. Uma área degradada, improdutiva, pode servir de assentamento. Mas se nenhum cultivo se adaptar às condições locais, o eucalipto poderá ser uma alternativa aos assentados. Portanto, é possível associar distribuição de terras com plantio de eucalipto. Com adequado manejo, poderiam produzir milho, girassol e gado leiteiro. No entanto, seriam os sem terra capazes de trabalhar para a iniciativa privada, mesmo que o capital obtido seja para distribuição entre seus pares? A máxima apresentada é boa para a indústria, mas não é boa para os sem terra a partir do momento em que não serão vistos como iguais em direitos, apenas como fornecedores. Se não encontrarmos um ponto de convergência entre as partes e nele focarmos, a questão nunca será sanada. Mas uma coisa é certa, a máxima de ambos os lados é pela não agressão aos seus. Se sem terras não desejam ser tratados com violência, os mesmos não devem desferir tratamento violento a quem quer que seja, mesmo em seu opressor econômico/ideológico.
Já Hans Jonas2 nos traz a preocupação futura das ações do homem e seus impactos para o meio ambiente. Em sua reformulação do imperativo moral de Kant, Jonas apresenta que deve-se “agir de tal maneira que os efeitos de tua ação não sejam, lesivos para a futura possibilidade de vida humana”. Assim posto, traz aos governantes a necessidade de regulação das ações humanas, já que individualmente, o homem por ser um autômato, destruirá o meio que o circunda, se dele puder prover o sustento de sua prole. Jonas traz o princípio da incerteza. Na questão exposta, temos um consenso científico e anos de experiência acumulada com o cultivo de eucalipto. Os governos deverão, via seus órgãos reguladores, definir as áreas adequadas para o plantio do Eucalipto transgênico, minimizando ao máximo seus impactos com o meio ambiente, e permitindo assim, o desenvolvimento sustentável. É preciso lembrar que o desenvolvimento sustentável está embasado na ideia de que economia, meio ambiente e sociedade são indissociáveis, e que o equilíbrio entre as bases poderá garantir a utilização dos recursos naturais, com distribuição equânime e desenvolvimento econômico.
Conclui-se então, que a paz é necessária para a existência de um diálogo entre ambientalistas, MST e empresas de tecnologia. Que a ciência precisa ampliar sua permeabilidade nos grupos antagônicos, levando para o debate os pontos nevrálgicos que impedem o estabelecimento do consenso. Que o equilíbrio só será atingido quando ambas as partes cederem e reconhecerem suas semelhanças, para alcançar o consenso. Que o temor da inviabilidade do planeta para as gerações futuras movam as ações presentes.
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Desfecho do fato
Apesar dos protestos, em 09 de abril de 2015, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) aprovou o uso comercial do eucalipto geneticamente modificado desenvolvido pela FuturaGene para utilização pela Suzano Papel e Celulose.
Em comunicado à imprensa11, a Suzano apresentou que além dos benefícios econômicos decorrentes do aumento de produtividade decorrente do uso do clone geneticamente modificado, também ocorrerão ganhos ambientais, considerando a menor emissão de gás carbônico pela redução do transporte, considerando que a distância entre florestas e fábricas poderá ser menor, a redução de insumos e disponibilidade de terras para outros usos, como preservação ou produção de alimentos.
Em seu site oficial, o MST não realizou nenhuma publicação sobre a aprovação da CTNBio.

Este Ensaio desenvolvido para a disciplina de Temas de Bioética em Biologia, do Programa de Pós Graduação em Bioética da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, tendo como base as obras:
1.       G1 Itapetininga e Região. MST invade fábrica e destrói milhares de mudas geneticamente modificadas. 2015 mar 5 [acesso em 2015 abr 15]. Disponível em: http://g1.globo.com/sao-paulo/itapetininga-regiao/noticia/2015/03/mst-invade-fabrica-e-destroi-milhares-de-mudas-geneticamente-modificadas.html
2.       Camargo SX, Pinheiro ACD. Fundamentação ética do desenvolvimento sustentável em Kant, Habermas e Hans Jonas. Rev. Dir. Pub.[Internet], 2010 [acesso em 2015 abr]v.5(2), p.177-193. Disponível em:  http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/direitopub/article/view/7379
3.       Movimento dos Trabalhadores Sem Terras. 2014 [acesso em 2015 mai 5]. Disponível em http://www.mst.org.br/
4.       JOÃO PEDRO STÉDILE. In: WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia Foundation, 2015. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Jo%C3%A3o_Pedro_St%C3%A9dile&oldid=42312281>. Acesso em: 12 maio 2015.
5.       Comissão Pastoral da Terra. Ações da Jornada Nacional de Lutas das Mulheres Camponesas chegam em 21 estados e mobilizam mais de 20 mil Sem Terra.   [acesso em 2015 mai 5]. Disponível em http://www.cptnacional.org.br/index.php/publicacoes/noticias/acoes-dos-movimentos/2485-acoes-da-jornada-nacional-de-lutas-das-mulheres-camponesas-chegam-em-21-estados-e-mobilizam-mais-de-20-mil-sem-terra
6.       Articulação Nacional de Agroecologia. Entidades denunciam os males do monocultivo de eucalipto em MS [acesso em 2015 mai 5]. Disponível em: http://www.agroecologia.org.br/index.php/noticias/388-entidades-denunciam-os-males-do-monocultivo-de-eucalipto-em-ms
7.       Grupo Suzano. 2011. [acesso em 2015 mai 5] Disponível em: http://www.suzano.com.br/portal/grupo-suzano.htm
8.       Cotações de Ações da Bolsa de Valores Bovespa (ADVFN). [acesso em 2015 mai 12]. Disponível em: http://br.advfn.com/bolsa-de-valores/bovespa/suzano-papel-SUZB5/cotacao
9.       Vital MHF. Impacto ambiental de florestas de eucalipto. Revista do BNDES, 2007[acesso em 2015 mai 5] v. 14(28), p.235-276. Disponível em:  http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/conhecimento/revista/rev2808.pdf
10.   Ecofuturo. Grupo Suzano. [acesso em 2015 mai 5]. Disponível em: http://ecofuturo.org.br/
11.     Grupo Suzano. 2015. [acesso em 2015 jun 24]. Disponível em http://www.suzano.com.br/portal/suzano-papel-e-celulose/noticias/suzano-na-imprensa-detalhes-119.htm

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