Trânsito e Consumo: Uma análise à luz da Bioética
Por Lyégie Barancelli;
Matheus Roth e Bruno Miranda
Mestrandos
do Programa de Pós Graduação em Bioética da PUCPR
O site GLOBO.COM veiculou em 2010 uma
reportagem sobre a visita do então Presidente da República Luis Inácio Lula da
Silva à um complexo petroquímico no Rio de Janeiro. Dentre várias falas, Lula
fez os seguintes apontamento: “nem metrô vai
tirar apetite de se ter o próprio carro”; “os pobres também
merecem adquirir carros, nem que seja para quando chegar no sábado, de colocar
o carro na porta de casa e ficar a
família inteira lavando a calota e passando a mão no carro”. Confirmando
seu discurso, Lula adotou medidas em seu governo para aquecer o comércio
automotivo, como por exemplo, o estímulo para concessão de novas linhas de
créditos.
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A
crescente populacional no planeta é uma problemática que afeta diversos setores
da sociedade. De acordo com a Organização das Nações Unidas (2013), a
população mundial já
passa de 7,2 bilhões de seres humanos, e há 70% de chance de que a população
mundial atinja um patamar entre 9,6 e 12,3 bilhões em 2100, diz estudo
publicado na revista
"Science”. No Brasil, o Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatísticas (2013) estima que a população ultrapassou a marca de 202 milhões
de habitantes. Devido ao aumento populacional, concomitantemente, o consumo se
elevou, o que está acarretando de certa forma uma problemática controvérsia,
pois o consumo aquece a economia do país, porém ao ser realizado com o intuito
de suprir necessidades imediatistas, que tem como objetivo principal favorecer
interesses e necessidades individuais, está causando impacto direto no coletivo
e no ecossistema.
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Em
2011, o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) constatou que na primeira
década do século XXI, a frota de
veículos no Brasil
cresceu cerca de 119%, fechando o ano de 2010 com mais de 64 milhões de
veículos registrados, onde para se neutralizar a emissão de gás carbônico desta
frota, seria necessário aumentar em 11 vezes a cobertura da Mata Atlântica. Só
no período de janeiro a maio deste mesmo ano, o Denatran
registrou mais de 900 mil emplacamentos de veículos.
As consequências desse aumento
considerável são inúmeras, pois de acordo com o SENSO,
os congestionamentos estão cada vez maiores. No estado do Paraná, mais de 27%
das pessoas demoram mais de meia hora diária de deslocamento da casa ao local
de trabalho. Em Curitiba o percentual é ainda maior, onde 46% dos curitibanos
gastam mais de meia hora diária no trajeto da casa ao local de trabalho. De
acordo com o IPEA o aumento de tempo gasto no
deslocamento casa-trabalho entre os anos de 1992 a 2009 é evidente na grande
maioria das regiões metropolitana brasileiras.
De
acordo com artigo publicado na Veja.com, os congestionamentos não tem como consequência apenas a
perda de tempo, mais também prejudicam serviços de emergência, como o
deslocamento de ambulâncias e veículos do Corpo de Bombeiros, retardando sua
passagem na prestação de socorro aos que necessitam, bem como tem gerado gastos
elevados para o governo com perdas financeiras com acidentes de trânsito,
poluição e engarrafamentos. Em São Paulo, os gastos variam de 4,1 bilhões de
reais por ano a 11 milhões de reais com tempo e combustível perdidos nos
congestionamentos.
A saúde
da população é um outro quesito que também vem sendo prejudicado, visto que
pessoas expostas à rotina nas ruas apresentaram substâncias tóxicas no
organismo e chance dobrada de desenvolver doenças respiratórias e várias outras
doenças, como estresse, hipertensão e lesões por repetição de movimentos, dores
no corpo, podendo vir a afetar: os orgãos genitais, que passam a receber
menos sangue; o cérebro;
músculos, cujos mesmos se contraem ao máximo e começam a liberar na
corrente sanguínea uma série de substâncias inflamatórias; os pulmões; o
coração: começa a bater
rapidamente e de maneira descompassada, gerando risco de infarto e derrame.
Analisando
todo o contexto abordado, percebeu-se que as horas desperdiçadas no trânsito
poderiam ser aproveitadas de outras formas, seja para aumentar a qualidade de
vida, realizando-se atividades físicas, de lazer, em passeios com a família
descansando ou pelo menos no consumo de produtos e serviços, o que também
ajudaria a impulsionar a economia.
Por
isso, nós, como futuros bioeticistas, compreendemos e percebemos a importância de
disseminar a concepção de que antes de se tomar decisões imediatistas, tais
como o ato de comprar um carro apenas como sinônimo de status, é fundamental
que se considere quais serão as consequências e o impacto dessa aquisição no
futuro. Qual é o progresso que realmente queremos?
Já não basta apenas basear-se na boa
intenção do imperativo categórico kantiano, que dizia que “a boa
vontade não é boa por aquilo que promove ou realiza, pela aptdão para alcançar
qualquer finalidde proposta, mas tão somente pelo querer” (KANT, 2007 p. 23). Os tempos mudaram! Hossne et al.
(2010) afirmam que o planeta se transformou num paciente terminal, onde a
certeza absoluta de vivermos no futuro tornou-se um grande ponto de
interrogação. Hans Jonas (2006) já se preocupava com essa incerteza, e propôs
uma nova concepção de ética baseada em um princípio de responsabilidade para
com as gerações futuras, onde ele afirma que nenhuma ética até então proposta
se preocupava adequadamente com o futuro da humanidade. O ethos dominante no mundo contemporâneo é individualista e
antropocêntrico. Hans Jonas define esse tipo de ética como imediatista, ou
seja, eram antropocêntricas, consideravam o homem como único ser racional e
livre, a técnica era concebida como neutra, a essência do homem era tida como
imodificável, a avaliação do homem se dava a curto prazo e a contemporaneidade
era o limite de preocupação ética. Ele, através de sua ética, lembra que o processo natural evolutivo é lento e
prudente, onde existe tempo para seleções adequadas, excluindo-se o objeto
prejudicial e seguindo-se o caminho do bom e correto. O homem, na contra-mão do
que Hans Jonas idealizou como princípio, acelerou o processo de evolução sem a
prudência adequada, firmando-se na evolução da técnica e adotando o tudo ou
nada, o que se torna evidente na fala do então presidente, ao ressaltar a
futilidade de se ter um carro apenas para lava-lo nos finais de semana.
A questão é vista com um problema por
quebrar o princípio ético consequencialista, onde as consequências de uma ação
devem ser consideradas. Por isso é tão importante considerarmos a obra de Hans
Jonas, ou mesmo mesmo relevarmos o que Leonardo Boff nos alertou através da
ética das urgências: “Por toda a parte apontam sintomas que
sinalizam grandes devastações no planeta Terra e na humanidade (...)” (BOFF, 1999 p. 17). Temos de
cuidar da nossa casa: o planeta Terra!
É fundamental pensar em estratégias
para que o dano ao planeta diminua. Nossos representantes políticos podem e
devem estimular a população de diversas maneiras para que a qualidade de vida
melhore (construção de ciclovias, melhoria da iluminação e segurança em vias de
pouco movimento, melhoria do sistema de transportes públicos, educação no
trânsito). Contudo, não basta deixar o problema apenas à cargo do Estado.
Conversar com familiares e vizinhos para planejar a carona solidária, utilizar
e zelar pelos meios de transportes público, aproveitar deslocamentos curtos até
o local de destino para fazer uma caminhada ou mesmo andar de bicicleta, sair
de casa um pouco mais cedo para evitar horários de pico, podem ser ações
simples que podem ser aplicadas no cotidiano a fim de reduzir a problemática já
existente. Cabe a nós refletir sobre nossos atos e as consequências que estes
irão acarretar para com as gerações que estão por vir.
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O
presente ensaio foi elaborado para a disciplina de Fundamentos da Bioética do
curso de Mestrado em Bioética da PUCPR, e teve como base as seguintes obras:
BOFF,
Leonardo. Saber cuidar: ética do humano – compaixão pela terra. 2. ed. Petrópolis:
Vozes, 1999;
HOSSNE, William Saad et al. Bioética aos 40
anos: reflexões a partir de um tempo de incertezas. Rev. Bio£thikos: Centro Universitário São Camilo, São Paulo, v. 2,
n. 4. p. 130-143, 2010;
JONAS, Hans. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a
civilização tecnológica. Rio de Janeiro: Contraponto; Editora PUC-Rio, 2006;
KANT, Immanuel. Fundamentação da
Metafísica dos Costumes. Coleção 70 textos filosóficos. Lisboa: Edições 70,
2007.
No Rio, Lula diz que pobres também devem ter
carros. Portal G1. Disponível em: http://g1.globo.com/Noticias/Politica/0,,MUL1521008-5601,00-NO+RIO+LULA+DIZ+QUE+POBRES+TAMBEM+DEVEM+TER+CARROS.html. Acessado em: 20 de
julho de 2015;
Frota de veículos cresce 119% em dez anos no
Brasil, aponta Denatran. Portal G1. Disponível em: http://g1.globo.com/carros/noticia/2011/02/frota-de-veiculos-cresce-119-em-dez-anos-no-brasil-aponta-denatran.html. Acessado em: 20 de
julho de 2015;
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