domingo, 20 de setembro de 2015

Série Ensaios em Bioética Ambiental 5


Trânsito e Consumo: Uma análise à luz da Bioética

Por Lyégie Barancelli; Matheus Roth e Bruno Miranda
Mestrandos do Programa de Pós Graduação em Bioética da PUCPR

O site GLOBO.COM veiculou em 2010 uma reportagem sobre a visita do então Presidente da República Luis Inácio Lula da Silva à um complexo petroquímico no Rio de Janeiro. Dentre várias falas, Lula fez os seguintes apontamento: nem metrô vai tirar apetite de se ter o próprio carro”;os pobres também merecem adquirir carros, nem que seja para quando chegar no sábado, de colocar o carro na porta de casa e ficar a família inteira lavando a calota e passando a mão no carro”. Confirmando seu discurso, Lula adotou medidas em seu governo para aquecer o comércio automotivo, como por exemplo, o estímulo para concessão de novas linhas de créditos.
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       A crescente populacional no planeta é uma problemática que afeta diversos setores da sociedade. De acordo com a Organização das Nações Unidas (2013), a população mundial já passa de 7,2 bilhões de seres humanos, e há 70% de chance de que a população mundial atinja um patamar entre 9,6 e 12,3 bilhões em 2100, diz estudo publicado na revista "Science”. No Brasil, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (2013) estima que a população ultrapassou a marca de 202 milhões de habitantes. Devido ao aumento populacional, concomitantemente, o consumo se elevou, o que está acarretando de certa forma uma problemática controvérsia, pois o consumo aquece a economia do país, porém ao ser realizado com o intuito de suprir necessidades imediatistas, que tem como objetivo principal favorecer interesses e necessidades individuais, está causando impacto direto no coletivo e no ecossistema.
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         Em 2011, o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) constatou que na primeira década do século XXI, a frota de veículos no Brasil cresceu cerca de 119%, fechando o ano de 2010 com mais de 64 milhões de veículos registrados, onde para se neutralizar a emissão de gás carbônico desta frota, seria necessário aumentar em 11 vezes a cobertura da Mata Atlântica. Só no período de janeiro a maio deste mesmo ano, o Denatran registrou mais de 900 mil emplacamentos de veículos.
As consequências desse aumento considerável são inúmeras, pois de acordo com o SENSO, os congestionamentos estão cada vez maiores. No estado do Paraná, mais de 27% das pessoas demoram mais de meia hora diária de deslocamento da casa ao local de trabalho. Em Curitiba o percentual é ainda maior, onde 46% dos curitibanos gastam mais de meia hora diária no trajeto da casa ao local de trabalho. De acordo com o IPEA o aumento de tempo gasto no deslocamento casa-trabalho entre os anos de 1992 a 2009 é evidente na grande maioria das regiões metropolitana brasileiras.
De acordo com artigo publicado na Veja.com, os congestionamentos não tem como consequência apenas a perda de tempo, mais também prejudicam serviços de emergência, como o deslocamento de ambulâncias e veículos do Corpo de Bombeiros, retardando sua passagem na prestação de socorro aos que necessitam, bem como tem gerado gastos elevados para o governo com perdas financeiras com acidentes de trânsito, poluição e engarrafamentos. Em São Paulo, os gastos variam de 4,1 bilhões de reais por ano a 11 milhões de reais com tempo e combustível perdidos nos congestionamentos.
A saúde da população é um outro quesito que também vem sendo prejudicado, visto que pessoas expostas à rotina nas ruas apresentaram substâncias tóxicas no organismo e chance dobrada de desenvolver doenças respiratórias e várias outras doenças, como estresse, hipertensão e lesões por repetição de movimentos, dores no corpo, podendo vir a afetar: os orgãos genitais, que passam a receber menos sangue; o cérebro; músculos, cujos mesmos se contraem ao máximo e começam a liberar na corrente sanguínea uma série de substâncias inflamatórias; os pulmões; o coração: começa a bater rapidamente e de maneira descompassada, gerando risco de infarto e derrame.
Analisando todo o contexto abordado, percebeu-se que as horas desperdiçadas no trânsito poderiam ser aproveitadas de outras formas, seja para aumentar a qualidade de vida, realizando-se atividades físicas, de lazer, em passeios com a família descansando ou pelo menos no consumo de produtos e serviços, o que também ajudaria a impulsionar a economia.
            Por isso, nós, como futuros bioeticistas, compreendemos e percebemos a importância de disseminar a concepção de que antes de se tomar decisões imediatistas, tais como o ato de comprar um carro apenas como sinônimo de status, é fundamental que se considere quais serão as consequências e o impacto dessa aquisição no futuro. Qual é o progresso que realmente queremos?
Já não basta apenas basear-se na boa intenção do imperativo categórico kantiano, que dizia que “a boa vontade não é boa por aquilo que promove ou realiza, pela aptdão para alcançar qualquer finalidde proposta, mas tão somente pelo querer” (KANT, 2007 p. 23). Os tempos mudaram! Hossne et al. (2010) afirmam que o planeta se transformou num paciente terminal, onde a certeza absoluta de vivermos no futuro tornou-se um grande ponto de interrogação. Hans Jonas (2006) já se preocupava com essa incerteza, e propôs uma nova concepção de ética baseada em um princípio de responsabilidade para com as gerações futuras, onde ele afirma que nenhuma ética até então proposta se preocupava adequadamente com o futuro da humanidade. O ethos dominante no mundo contemporâneo é individualista e antropocêntrico. Hans Jonas define esse tipo de ética como imediatista, ou seja, eram antropocêntricas, consideravam o homem como único ser racional e livre, a técnica era concebida como neutra, a essência do homem era tida como imodificável, a avaliação do homem se dava a curto prazo e a contemporaneidade era o limite de preocupação ética. Ele, através de sua ética, lembra  que o processo natural evolutivo é lento e prudente, onde existe tempo para seleções adequadas, excluindo-se o objeto prejudicial e seguindo-se o caminho do bom e correto. O homem, na contra-mão do que Hans Jonas idealizou como princípio, acelerou o processo de evolução sem a prudência adequada, firmando-se na evolução da técnica e adotando o tudo ou nada, o que se torna evidente na fala do então presidente, ao ressaltar a futilidade de se ter um carro apenas para lava-lo nos finais de semana.
A questão é vista com um problema por quebrar o princípio ético consequencialista, onde as consequências de uma ação devem ser consideradas. Por isso é tão importante considerarmos a obra de Hans Jonas, ou mesmo mesmo relevarmos o que Leonardo Boff nos alertou através da ética das urgências: “Por toda a parte apontam sintomas que sinalizam grandes devastações no planeta Terra e na humanidade (...)” (BOFF, 1999 p. 17). Temos de cuidar da nossa casa: o planeta Terra!
É fundamental pensar em estratégias para que o dano ao planeta diminua. Nossos representantes políticos podem e devem estimular a população de diversas maneiras para que a qualidade de vida melhore (construção de ciclovias, melhoria da iluminação e segurança em vias de pouco movimento, melhoria do sistema de transportes públicos, educação no trânsito). Contudo, não basta deixar o problema apenas à cargo do Estado. Conversar com familiares e vizinhos para planejar a carona solidária, utilizar e zelar pelos meios de transportes público, aproveitar deslocamentos curtos até o local de destino para fazer uma caminhada ou mesmo andar de bicicleta, sair de casa um pouco mais cedo para evitar horários de pico, podem ser ações simples que podem ser aplicadas no cotidiano a fim de reduzir a problemática já existente. Cabe a nós refletir sobre nossos atos e as consequências que estes irão acarretar para com as gerações que estão por vir.
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O presente ensaio foi elaborado para a disciplina de Fundamentos da Bioética do curso de Mestrado em Bioética da PUCPR, e teve como base as seguintes obras:

BOFF, Leonardo. Saber cuidar: ética do humano – compaixão pela terra. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1999;
HOSSNE, William Saad et al. Bioética aos 40 anos: reflexões a partir de um tempo de incertezas. Rev. Bio£thikos: Centro Universitário São Camilo, São Paulo, v. 2, n. 4. p. 130-143, 2010;
JONAS, Hans. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a civilização tecnológica. Rio de Janeiro: Contraponto; Editora PUC-Rio, 2006;
KANT, Immanuel. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Coleção 70 textos filosóficos. Lisboa: Edições 70, 2007.

No Rio, Lula diz que pobres também devem ter carros. Portal G1. Disponível em: http://g1.globo.com/Noticias/Politica/0,,MUL1521008-5601,00-NO+RIO+LULA+DIZ+QUE+POBRES+TAMBEM+DEVEM+TER+CARROS.html. Acessado em: 20 de julho de 2015;
Frota de veículos cresce 119% em dez anos no Brasil, aponta Denatran. Portal G1. Disponível em: http://g1.globo.com/carros/noticia/2011/02/frota-de-veiculos-cresce-119-em-dez-anos-no-brasil-aponta-denatran.html. Acessado em: 20 de julho de 2015;


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