Monocultura do Pinus no Vale do Ribeira-PR constituiria uma ameaça à agricultura familiar?
Por
Douglas Rocha
Mestrando
de Bioética
Em 2012 a pesquisadora formada em agronomia, Dra.
Cristiane Coradin, nos revelou em seu artigo - Relações de Trabalho no Monocultivo de Pinus em Adrianópolis- a
realidade de vida dos trabalhadores locais, suas
dificuldades, suas frustações, bem como o movimento expansionista do cultivo de Pinus por parte de
empresas nacionais e transnacionais que atuam no Vale do Ribeira-PR, em especial a empresa Berneck, expansão essa que somente se tornou possível na
medida em que principalmente os pequenos agricultores menos capitalizados
venderam boa parte suas terras para as empresas de reflorestamento, indo, mais
tarde, parte deles ou de seus filhos trabalharem como assalariados no pinus, ou
como temporários nas fazendas locais, ou mesmo indo se assalariar nas cidades
próximas, deixando o campo. O Vale do Ribeira apresenta os menores IDH’s do Paraná. E talvez, justamente por se encontrarem diante de escassas possibilidades de
ascensão econômica e social, esses agricultores abandonam sua
cultura e tudo o que permeia a agricultura
familiar em busca de uma vida mais digna, entretanto, muitos não atingem o
objetivo, uma vez que não possuem ensino profissionalizante que os
capacite para o competitivo mercado de trabalho. Este ensaio deseja questionar se a
agricultura familiar encontra-se ameaçada nessa região, para tanto, revelaremos a importância da
mesma, como a expansão do capital tem operado
no campo, os riscos que o cultivo do pinus oferece à biodiversidade
local, bem como o que pode ser feito para empoderar esses agricultores familiares, a
fim de que seus costumes sejam preservados e uma qualidade maior de vida seja
garantida.
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Em 2011 a população mundial chegou a
alarmantes 7 bilhões de habitantes. A ONU prevê que até o término deste século esse número chegue a 10,9 bilhões. Outros cálculos apontam uma
estimativa de 15 bilhões de habitantes. Diante de tal panorama, uma
questão se revela: Como assegurar uma alimentação digna para todos?
Uma das soluções, segundo a ONU, poderia residir no
papel desempenhado pela agricultura familiar. Em seu relatório, Estado da
Alimentação e da Agricultura de 2014,
constatou-se que esta é responsável por
cerca de 80% da produção mundial de alimentos, 9 em cada 10 das 570 milhões de
propriedades agrícolas no mundo são gerenciadas por
famílias, 75% dos recursos
agrícolas do mundo são mantidos graças ao esforços
desses núcleos
familiares, denotando sua importância no que tange a
economia mundial, como fator mitigador da fome global e como fomentadora da
sustentabilidade ecológica. Mas afinal, o que é agricultura
familiar?
A agricultura familiar pode
ser compreendida como um sistema de organização
social, cultural, econômico e ambiental, no qual são
empreendidas atividades agropecuárias e não agropecuárias de base familiar,
desenvolvidas em estabelecimentos rurais ou em áreas
comunitárias próximas, gerenciadas por uma família com predominância de mão de
obra familiar e que apresenta papel relevante para o desenvolvimento de um País.
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No caso do Brasil, a agricultura familiar é fruto de um processo histórico iniciado a partir da colonização,
podemos destacar outros fatores que contribuíram significativamente para sua
atual configuração, como acontecimentos políticos,
econômicos e sociais. Hoje, a atividade é responsável
por 84% dos estabelecimentos rurais do País. De acordo com o Censo
Agropecuário
de 2006, o levantamento mais recente feito no País, entre os anos de 1996 e
2006 existiam cerca de 13,7 milhões de pessoas ocupadas na agricultura
familiar. Embora a agricultura brasileira tenha aumentado exponencialmente sua
produtividade após meados da década de 1960 devido à modernização
tecnológica, alguns fatores negativos se apresentaram concomitantemente,
a saber, grande concentração de terras nas mãos de Fazendeiros, desmatamento
desordenado, intensa utilização dos recursos naturais e marginalização dos
pequenos produtores através da desterritorialização.
Com o advento da globalização, as fronteiras desvaneceram-se e grandes empresas transnacionais puderam estabelecer-se em nosso
solo. Mesmo se levarmos em consideração o número de empregos gerados e a
captação de impostos, a balança ainda tenderá para o lado nocivo, onde
constataremos, uma vez mais, o uso desenfreado de nossos recursos naturais,
intensa poluição da biosfera proveniente de suas ações e marginalização da agricultura
familiar. Vejamos a seguir como a monocultura do pinus e as atividades de algumas empresas transnacionais e nacionais podem ameaçar a agricultura
familiar no Vale do Ribeira-PR.
Grandes empresas transnacionais como a Vale do Corisco e a Arauco, e outras empresas
como a Plenovale, Valorem, e a Berneck, instalaram-se no Vale do Ribeira
visando à produção e a extração de madeira
obtida através do pinus para atender às mais diversas finalidades. A vista pode nos impressionar num primeiro momento,
nos vemos diante de um mar verde homogêneo, a harmonia aparentemente foi selada, mas saiba que essa beleza assenta
suas raízes sobre um solo obscuro e nefasto.
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Em primeiro lugar, a espécie mais utilizada por essas
empresas, o Pinus elliottii configura-se como uma espécie vegetal exótica, isto é, não pertence à vegetação nativa do Vale, que é de mata atlântica. Em segundo lugar,
a fisiologia do pinus e sua facilidade de propagação assumem qualidades
perniciosas. Devido ao seu desenvolvimento acelerado, o pinus exige uma
quantidade exorbitante de água para atender às suas
necessidades metabólicas, o que pode desencadear o comprometimento dos recursos
hídricos da região. Mesmo delimitando a extensão de plantio, o pinus é capaz de
se sobrepor às barreiras impostas, propagando-se
por reservas florestais, competindo por recursos e ameaçando a biodiversidade
local.
A procura por matérias e produtos
provenientes do reflorestamento de pinus é grande e as empresas, de modo geral, não são capazes de atender à demanda. Sendo assim, cada vez mais o
cerco se fecha sobre as comunidades rurais, quilombolas e as famílias que
adotam um sistema de subsistência. A monocultura de pinus tem
modificado a estrutura produtiva local e as
relações de trabalho no campo. Onde antes havia produção de alimentos pela
agricultura familiar, após a expansão do pinus passou a existir apenas grandes
desertos verdes, os quais, normalmente empregam bem menos trabalhadores.
Diversos são os exemplos dos conflitos existentes entre
moradores locais e empresas de reflorestamento. Como se não bastasse,
trabalhadores expõem, por meio de relatos, condições precárias de
trabalho, bem como de transporte e baixa remuneração.
As dificuldades trazidas por esses fatores têm
desestimulado esses agentes sociais no sentido de continuarem produzindo,
pressionando-os a buscarem fontes de rendas fora de suas
propriedades, na maior parte dos casos assalariando-se ou semi-assalariando-se nas fazendas de pecuária vizinhas ou na monocultura do pinus, outros
chegam ao ponto de se desfazerem de suas terras, vendendo-as justamente para as grandes empresas de pinus, a
seguir partem para os grandes centros mais próximos,
como Curitiba, na esperança de conquistarem condições mais dignas de vida. Mesmo assim a chance de um revés é
mínima, pois sem uma escolarização que os capacite para o mercado de trabalho,
há uma grande probabilidade desses trabalhadores constituírem bolsões de pobreza nesses centros urbanos,
intensificando as já inaceitáveis desigualdades sociais existentes. Esse quadro evidencia em sua
particularidade o movimento global que o capital tem operado no campo
brasileiro através da industrialização da agropecuária. O qual tende a
concentrar e centralizar cada vez mais a produção e a apropriação da riqueza
produzida, ampliando a concentração da terra, gerando a desterritorialização e a fragilização da agricultura familiar.
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Aparentemente um senso ético ambiental
inexiste no pensamento dessas grandes empresas, medidas são tomadas sem que se
leve em consideração as repercussões futuras das
mesmas. Um dualismo homem/natureza ainda reina, o princípio da responsabilidade nem ao menos é cogitado. Quando as motivações de lucro dos
atores do mercado ficam fora de controle, desafiam a ética das pessoas e
sacrificam o respeito pela justiça e pelos direitos humanos, como bem pontuou o
Prof. Dr. em educação pela USP, Walter Lúcio de Alencar Praxedes. Essas grandes empresas
defendem-se das acusações apresentando-nos inúmeras ações socioambientais distorcidas, muitas delas em forma
de panfletos, contaminando nossos jovens com estratégias de marketing
falaciosas. Mas afinal, o que é necessário aos agricultores
do Vale do Ribeira para que possam mitigar e até mesmo reverter esse cenário
desvantajoso?
Antes de tudo, é necessário
que a sociedade entenda a importância da agricultura familiar. Sua prática
demanda menos agroquímicos como herbicidas,
inseticidas, pesticidas e fungicidas, substâncias que vêm provocando uma série de problemas de saúde pública. A agressão ao meio ambiente decorre do
agronegócio e não da A. F. Ao consumirmos alimentos produzidos por
núcleos familiares estaremos fortalecendo sua manutenção por meio da geração de renda. É
preciso desenvolver ações políticas que ampliem as oportunidades de
trabalho, de distribuição de renda, de produção de alimentos, das melhorias de
qualidade de vida, da preservação da biodiversidade e da diminuição das
desigualdades. De certa forma o governo federal vem
desempenhando essa função.
Entre os incentivos para a agricultura
familiar, está o Programa Nacional de
Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), um programa de financiamento com
juros baixos. Se valendo de um prisma ecológico, foi desenvolvido também o
Brasil Agroecológico que já atende mais de 130 mil famílias. Cerca de R$ 8,8
bilhões em recursos estão disponíveis, para serem usados até 2015 na integração,
articulação e adequação de políticas, programas e ações de transição
agroecológica. Para dar suporte, os agricultores têm os serviços de Assistência
Técnica e Extensão Rural (Ater).
A
Ater proporciona ao agricultor a troca
de conhecimento, seja para produção tradicional ou para a orgânica e
agroecológica. Atualmente, mais de 800 mil famílias de agricultores e
assentados da reforma agrária já recebem esse atendimento. A expectativa é que
a ação seja ampliada, a partir do funcionamento da Agência Nacional de
Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater).
Mas a existência desses programas por
si só não basta para uma mudança da realidade dos agricultores familiares do
Vale do Ribeira. É necessária a formação de uma rede de caráter
cooperativista que realmente defenda os interesses de todos. É necessária também a criação de
escolas técnico-agrícolas que contemplem os jovens, oferecendo maiores perspectivas de
renda, perpetuando, dessa forma, o caráter sociocultural da agricultura familiar. Líderes
comunitários, despojados de medo, devem despontar e por último, a mídia subversiva não deve
ausentar-se e calar-se diante de tamanha opressão.
Como futuro bioeticista, engajado em políticas
que visem a proteção do meio ambiente, assim como políticas que garantam a plena
cidadania a grupos vulneráveis, acredito que um equilíbrio entre os interesses
empresariais e os interesses dos agricultores locais possa ser alcançado. Destaque
deve ser dado à transparência e ao diálogo, sem essas duas ferramentas a injustiça se
apresentará. A bioética global, de Van Potter suscita diversas reflexões e nos
impele a reconsiderar a importância que o meio ambiente assume para nossas
vidas e para a continuidade de uma vida digna no futuro. A ética
ambiental oferece-nos possibilidades para que a sustentabilidade ambiental
seja alcançada aqui e agora. De certa maneira a agricultura familiar já lança mão de
suas propostas, o que por si só, é digno de admiração.
Toda e qualquer medida que possa ser
tomada no sentido inclusão social deve ser
almejada. A ética
da Libertação
preocupasse com o oprimido, mesmo que ele não
saiba de sua condição. Segundo Dussel, devemos não apenas reconhecer a existência de vítimas ou de oprimidos, mas também
reconhecer a necessidade de se problematizar as causas da exclusão a
partir do reconhecimento do outro não só como excluído, mas também como
sujeito, assumindo-se um compromisso ético com o outro, denunciando a exclusão
e apontando perspectivas de mudança.
O presente ensaio foi elaborado para disciplina Temas
de Bioética e Biologia, tendo-se baseado nas seguintes obras:
Battestin,
C., & Ghiggi,
G. (2010). O Princípio Responsabilidade de Hans Jonas: um princípio ético para
os novos tempos. Thaumazein:
Revista Online de Filosofia, 3(6), 69-85.
COELHO,
Ana Cecília da Costa Silva and REYNALDO,
Renata Guimarães. Os movimentos sociais transnacionais sob a perspectiva da
teoria crítica de Robert Cox - movimento contra hegemônico na era da globalização.. In: 3°
ENCONTRO NACIONAL ABRI 2001, 3., 2011, São
Paulo. Proceedings online... Assosciação Brasileira de
Relações Internacionais Instituto de Relações Internacionais - USP, Available from: http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=MSC0000000122011000100012&lng=en&nrm=abn . Acess on:
14 May. 2015.
CORADIN, C.; Relações de Trabalho no Monocultivo de Pinus em Adrianópolis -
Paraná. In: XVII Encontro Nacional de Economia Política, 2012, Rio de Janeiro.
ANAIS XVII Encontro Nacional de Economia Política. Vitória: Sociedade
Brasileira de Economia Política, 2012. Sanches, F. K. D. C. (2013). A responsabilidade no direito de família
brasileiro contemporâneo.
Silva,
José Ribeiro, and Paulo Jesus. "OS DESAFIOS DO NOVO RURAL E AS PESPECTIVAS
DA AGRICULTURA FAMILIAR NO BRASIL." V CONNEPI-2010. 2010.
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