Rotulagem de Alimentos com
Organismos Geneticamente Modificados
e
Princípio da Alteridade
por Célia Inês da Silva, Deisy M.R. Joppert
e Fernanda Schaefer
Mestrandas em Bioética
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No
dia 28 de abril de 2015 diversos jornais, entre eles a Folha de São Paulo
noticiaram a aprovação pela Câmara dos Deputados do Projeto
de Lei (PL) n. 4148/2008, de
autoria do Deputado Luiz Carlos Heinze do PP-RS, que pretende
alterar o art. 40 da Lei n. 11.105/2005 (Lei de Biossegurança) possibilitando a
exclusão do símbolo identificador da transgenia nas embalagens que contenham
produtos com organismos geneticamente modificados (OGMs) quando a sua presença
for superior a 1% da composição final. No lugar do símbolo genérico (T) o
projeto indica sua substituição por uma frase alertando o consumidor sobre a
presença de organismos geneticamente modificados. O PL foi aprovado com
320 votos a favor e 135 votos contra e agora segue para votação no Senado.
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A polêmica e complexa questão da produção e consumo de alimentos
transgênicos ou com conteúdo transgênico parece tornar-se a cada ano mais
instigante, ingressando constantemente em grandes debates. Há anos alimentos transgênicos são consumidos
por boa parte da população, mas só com a publicação da Lei n. 11.105/95 (Lei de
Biossegurança) os debates que se
seguiram fizeram firmar a necessidade de que os estudos sejam retomados de
forma empírica e informados por conhecimento objetivo verificável, deixando-se
de lado as defesas de cunho eminentemente econômico (como é o caso do Projeto
de Lei n. 4148/2008) ou os diversos argumentos que se opõem a formas de
desenvolvimento tecnológico.
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O Projeto de Lei apresenta como principais justificativas
para a alteração do artigo 40 da Lei de Biossegurança: 1- a possibilidade de
retaliação internacional com relação a produtos importados; 2- o fato dos
consumidores não entenderem o significado do símbolo e deixarem de consumir o
produto só porque há o aviso na embalagem; 3- a necessidade das informações
constantes nas embalagens serem úteis, esclarecedoras e eficientes ao
consumidor, neste sentido, afirma, que a existência do símbolo que representa a
transgenia gera infundados temores aos consumidores quanto à segurança e à
nocividade dos produtos; 4- os altos custos com a inserção do símbolo nas
embalagens; e, por fim, 5- que da forma como está regulamentada a rotulagem de
transgênicos tem servido mais à contrapropaganda do que propriamente à
informação do consumidor.
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Ocorre que nenhuma dessas justificativas são válidas, à
medida que :1- vários países que exportam para o Brasil já adotam a necessidade
de informação clara sobre o conteúdo do produto em suas embalagens; 2- a
importação de produtos deve se submeter à lei local e não à lei do país de
origem; 3- o Código
de Defesa do Consumidor determina como dever do fornecedor que a informação
seja clara, precisa, objetiva e verdadeira (art. 6º, III); 4- quem deve selecionar o conteúdo
que lhe é útil é o consumidor e não o fornecedor; 5- não há na legislação
vigente qualquer espécie de concessão de ordem financeira, ambiental ou de
segurança que relativize o princípio da informação, o princípio da precaução e
o princípio da responsabilidade; 6- O símbolo (T) é visualmente melhor
compreendido pelos receptores da mensagem do que inscrição em frases que
certamente não serão lidas pela maioria dos consumidores; 7- Se a presença de
um símbolo é capaz de gerar temor infundado, significa que esse símbolo e as
propriedades do produto não estão sendo adequadamente explicadas ao consumidor.
É tarefa do fornecedor providenciar os esclarecimentos e ampla informação; 8-
Os custos com a inserção da imagem nas embalagens é insignificante, vez que se
junta a outras imposições legais como a necessidade da rotulagem sobre as
informações nutricionais; 9- A substituição do símbolo (T) por uma frase que o
representaria não diminuiria ou excluiria a responsabilidade do fornecedor.
Portanto, omitir a informação deliberadamente constitui afronta direta às
normas constitucionais e das relações de consumo, especialmente, aos princípios
da boa-fé e transparência.
É importante lembrar que, se dificilmente observamos com
muita atenção as indicações ou rótulos de um produto, é relevante que as
informações constem de forma mais clara e visível possível. Afinal o avanço
tecnológico não pode prestar-se apenas ao capitalismo desmedido, e sim para
esclarecer, informar e ensinar.
Analisando-se a questão sob o ponto de vista ético, a
substituição do símbolo (T) por outras formas de comunicação da transgenia fere
o princípio
da alteridade conforme entendido por Lévinas (Emmanuel Lévinas, na
obra Totalidade
do Infinito, 1960). Segundo este princípio, a relação com o outro implica
em mais que respeito e solidariedade, sendo que o EU e o TU são tão fortemente
importantes que um não pode anular o outro. As subjetividades são consideradas
transcendentes a fim de se garantir uma solidariedade que faria com que cada um
fosse responsável por todos. Diante da solidariedade e do respeito propostos
pelo princípio da alteridade, não há como não se dobrar ao coletivo. Esta é a
necessidade, pensar no outro, colocar-se no lugar do outro, sem esperar nada em
troca.
Por isso, quando se fala na rotulagem de alimentos
transgênicos também se está falando em alteridade. A preocupação não é só
garantir ao consumidor a autonomia em suas escolhas, mas também, permitir a sua
compreensão sobre os reflexos destes produtos sobre si, sobre o meu ambiente e
sobre as coletividades. E, para isso, o consumidor precisa ser informado sobre
as consequências do uso de alimentos transgênicos e não lhe ocultar sua
presença na composição do produto. É daí o respeito mútuo imposto pelo
princípio da alteridade.
Por tudo isso, entendemos que o Projeto de Lei (PL) n.
4148/2008, de autoria do Deputado Luiz Carlos Heinze do PP-RS, contraria não só
dispositivos legais já existentes (em especial: arts. 4o., 6o.,
8o. a 10, Código de Defesa do
Consumidor; art. 1o., III; 3o., I e IV e 5o.,
XIV, Constituição
Federal de 1988), mas, também princípios bioéticos bastante importantes
(como autonomia,
precaução e alteridade).
Ou seja, o projeto de lei da forma posta tem o intuito de beneficiar o
fornecedor retirando do consumidor a possibilidade de escolha autônoma e
consciente, beneficiando apenas um dos pontos de vista e desconsiderando as
coletividades. É projeto de lei que fere o princípio da alteridade por
selecionar quem é digno de receber uma informação importante, quem tem
condições de selecionar a utilidade de uma informação, ferindo, com isso, a
solidariedade imposta como princípio ético e constitucional a todas as relações
sociais.
O presente ensaio foi elaborado para disciplina de
Fundamentos de Bioética, do Mestrado de Bioética da PUC/PR, tendo como base as
obras:
MALETT, Estevão. Parecer.
Ministério da Agricultura. Rastreabilidade.
TRF 1ª REGIÃO. Sentença
ACP 2001.34.00.022280-6/DF.
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