domingo, 20 de setembro de 2015

Sério Ensaios em Bioética Ambiental

Rotulagem de Alimentos com
Organismos Geneticamente Modificados
e Princípio da Alteridade

por Célia Inês da Silva, Deisy M.R. Joppert e Fernanda Schaefer
Mestrandas em Bioética

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No dia 28 de abril de 2015 diversos jornais, entre eles a Folha de São Paulo noticiaram a aprovação pela Câmara dos Deputados do Projeto de Lei (PL)  n. 4148/2008, de autoria do Deputado Luiz Carlos Heinze do PP-RS, que pretende alterar o art. 40 da Lei n. 11.105/2005 (Lei de Biossegurança) possibilitando a exclusão do símbolo identificador da transgenia nas embalagens que contenham produtos com organismos geneticamente modificados (OGMs) quando a sua presença for superior a 1% da composição final. No lugar do símbolo genérico (T) o projeto indica sua substituição por uma frase alertando o consumidor sobre a presença de organismos geneticamente modificados. O PL foi aprovado com 320 votos a favor e 135 votos contra e agora segue para votação no Senado.
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A polêmica e complexa questão da produção e consumo de alimentos transgênicos ou com conteúdo transgênico parece tornar-se a cada ano mais instigante, ingressando constantemente em grandes debates.  Há anos alimentos transgênicos são consumidos por boa parte da população, mas só com a publicação da Lei n. 11.105/95 (Lei de Biossegurança)  os debates que se seguiram fizeram firmar a necessidade de que os estudos sejam retomados de forma empírica e informados por conhecimento objetivo verificável, deixando-se de lado as defesas de cunho eminentemente econômico (como é o caso do Projeto de Lei n. 4148/2008) ou os diversos argumentos que se opõem a formas de desenvolvimento tecnológico.
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O Projeto de Lei apresenta como principais justificativas para a alteração do artigo 40 da Lei de Biossegurança: 1- a possibilidade de retaliação internacional com relação a produtos importados; 2- o fato dos consumidores não entenderem o significado do símbolo e deixarem de consumir o produto só porque há o aviso na embalagem; 3- a necessidade das informações constantes nas embalagens serem úteis, esclarecedoras e eficientes ao consumidor, neste sentido, afirma, que a existência do símbolo que representa a transgenia gera infundados temores aos consumidores quanto à segurança e à nocividade dos produtos; 4- os altos custos com a inserção do símbolo nas embalagens; e, por fim, 5- que da forma como está regulamentada a rotulagem de transgênicos tem servido mais à contrapropaganda do que propriamente à informação do consumidor.
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Ocorre que nenhuma dessas justificativas são válidas, à medida que :1- vários países que exportam para o Brasil já adotam a necessidade de informação clara sobre o conteúdo do produto em suas embalagens; 2- a importação de produtos deve se submeter à lei local e não à lei do país de origem; 3- o Código de Defesa do Consumidor determina como dever do fornecedor que a informação seja clara, precisa, objetiva e verdadeira (art. 6º, III); 4- quem deve selecionar o conteúdo que lhe é útil é o consumidor e não o fornecedor; 5- não há na legislação vigente qualquer espécie de concessão de ordem financeira, ambiental ou de segurança que relativize o princípio da informação, o princípio da precaução e o princípio da responsabilidade; 6- O símbolo (T) é visualmente melhor compreendido pelos receptores da mensagem do que inscrição em frases que certamente não serão lidas pela maioria dos consumidores; 7- Se a presença de um símbolo é capaz de gerar temor infundado, significa que esse símbolo e as propriedades do produto não estão sendo adequadamente explicadas ao consumidor. É tarefa do fornecedor providenciar os esclarecimentos e ampla informação; 8- Os custos com a inserção da imagem nas embalagens é insignificante, vez que se junta a outras imposições legais como a necessidade da rotulagem sobre as informações nutricionais; 9- A substituição do símbolo (T) por uma frase que o representaria não diminuiria ou excluiria a responsabilidade do fornecedor. Portanto, omitir a informação deliberadamente constitui afronta direta às normas constitucionais e das relações de consumo, especialmente, aos princípios da boa-fé e transparência.
É importante lembrar que, se dificilmente observamos com muita atenção as indicações ou rótulos de um produto, é relevante que as informações constem de forma mais clara e visível possível. Afinal o avanço tecnológico não pode prestar-se apenas ao capitalismo desmedido, e sim para esclarecer, informar e ensinar.
Analisando-se a questão sob o ponto de vista ético, a substituição do símbolo (T) por outras formas de comunicação da transgenia fere o princípio da alteridade conforme entendido por Lévinas (Emmanuel Lévinas, na obra Totalidade do Infinito, 1960). Segundo este princípio, a relação com o outro implica em mais que respeito e solidariedade, sendo que o EU e o TU são tão fortemente importantes que um não pode anular o outro. As subjetividades são consideradas transcendentes a fim de se garantir uma solidariedade que faria com que cada um fosse responsável por todos. Diante da solidariedade e do respeito propostos pelo princípio da alteridade, não há como não se dobrar ao coletivo. Esta é a necessidade, pensar no outro, colocar-se no lugar do outro, sem esperar nada em troca.
Por isso, quando se fala na rotulagem de alimentos transgênicos também se está falando em alteridade. A preocupação não é só garantir ao consumidor a autonomia em suas escolhas, mas também, permitir a sua compreensão sobre os reflexos destes produtos sobre si, sobre o meu ambiente e sobre as coletividades. E, para isso, o consumidor precisa ser informado sobre as consequências do uso de alimentos transgênicos e não lhe ocultar sua presença na composição do produto. É daí o respeito mútuo imposto pelo princípio da alteridade.
Por tudo isso, entendemos que o Projeto de Lei (PL) n. 4148/2008, de autoria do Deputado Luiz Carlos Heinze do PP-RS, contraria não só dispositivos legais já existentes (em especial: arts. 4o., 6o., 8o. a 10, Código de Defesa do Consumidor; art. 1o., III; 3o., I e IV e 5o., XIV, Constituição Federal de 1988), mas, também princípios bioéticos bastante importantes (como autonomia, precaução e alteridade). Ou seja, o projeto de lei da forma posta tem o intuito de beneficiar o fornecedor retirando do consumidor a possibilidade de escolha autônoma e consciente, beneficiando apenas um dos pontos de vista e desconsiderando as coletividades. É projeto de lei que fere o princípio da alteridade por selecionar quem é digno de receber uma informação importante, quem tem condições de selecionar a utilidade de uma informação, ferindo, com isso, a solidariedade imposta como princípio ético e constitucional a todas as relações sociais.
O presente ensaio foi elaborado para disciplina de Fundamentos de Bioética, do Mestrado de Bioética da PUC/PR, tendo como base as obras:
HOSSNE, Willian Saad e SEGRE, Marco. Dos referenciais da Bioética – a Alteridade.
MALETT, Estevão. Parecer.
Ministério da Agricultura. Rastreabilidade.


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